quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O ponto de retorno


“A partir de um determinado ponto já não há retorno. É esse o ponto que se tem de alcançar.” – Franz Kafka.


Uma pergunta


“Por que razão faço Parkour?” deve ser a pergunta capital de qualquer traceur. Foi com esta pergunta que terminou o último Rendezvous, com os membros dos Yamakasi, pessoas que dedicaram toda a vida ao Parkour. Isso prova a sua pertinência já que formulá-la é procurar medir o significado da prática na vida de cada um.


Por detrás desta pergunta, uma outra, mais geral e abrangente, reside: “Por que razão se faz alguma coisa?”. Pode parecer absurda à primeira vista uma pergunta como esta e, sem a preparação necessária, é-o. Assim é porque a sua formulação verdadeira, para além da sua dimensão meramente fonética, requer um exercício de abstracção que nos leve a deslocar e a relativizar tudo o que tomamos como “factos” na nossa vida: a família que temos, o local onde moramos, a profissão que exercemos, aquilo que estudamos, o que fazemos nos tempos livres, o que treinamos. O exercício é bem sucedido quando sentimos uma certa convulsão no estômago, um arrepio na espinha, algo parecido com uma náusea. Aí sabemos que olhamos as coisas de cima e, como um mapa, reduzimo-las à 2ª dimensão, podendo ver até onde se desenrola esse mapa.


Um exercício filosófico como este é difícil de fazer e ainda mais de manter. Mas, ao fazermo-lo pela primeira vez, atingimos um ponto sem retorno. Para onde quer que vamos, a recordação permanece viva e pronta a levar-nos de volta para esse sítio. Isto acontece porque a relativização que acontece dos “factos” desloca o referencial a que estamos habituados, que pode muito bem nem ser consciencializado, e coloca-o ao lado dos dois acontecimentos mais importantes de qualquer vida: o nascimento e a morte. O momento a partir do qual o Tempo começa, a contagem inicia-se, o mundo é, e o momento derradeiro, final, a parede preta onde tudo cai em esquecimento.


Quando me pergunto “Por que faço Parkour?” é nestes termos que o faço. Isso é uma evidência constante no meu pensamento. Perante este estado de coisas o mais geral possível, a palavra Parkour perde o seu significado e ganha a forma do camaleão. Metamorfoseia-se livremente e vale por qualquer outra que lá queiramos pôr no seu lugar. “Por que faço seja o que for?”.


Perante isto, há uma atitude a tomar, a mais recorrente, a mais reconfortante e, de certa maneira, aquela para a qual estamos programados à nascença: apagar o exercício feito, esquecê-lo, agarrarmo-nos a qualquer outra coisa que preencha a vida com sentido. Com esta atitude, “Parkour” mantém a sua capacidade camaleónica, porque tudo vale quando o que interessa é conseguir alienarmo-nos dessa evidência pontiaguda de que a morte varre tudo. Qualquer passatempo (no sentido mais forte do termo) serve, e o Parkour é tão bom como outro qualquer perante a falta de sentido que aparentemente caracteriza a vida. É, aliás, essa falta de sentido que dá força a esta atitude. Se nada há a fazer perante a inevitabilidade do esquecimento e da morte, porquê pensar nisso? Porquê perder tempo a matutar nesse beco sem saída? A vida não deixa de existir, e nós não deixamos de ser capazes de fazer coisas apenas porque não há uma razão para tudo isto.


Não permitirei que isto se torne num debate, e, por isso, aceitarei esta posição. Mais que isso, a maneira como quero pensar acerca do Parkour envolve tomar essa opção a favor da vida. Assim, aceito que vale a pena fazer coisas na vida e não pararmos na aporia que aparenta ser. No entanto, não deixarei que o referencial se desloque de novo, simplesmente porque não consigo. Se me concedo uma razão para avaliar as coisas de um ponto de vista “normal” e “comum”, sei que no dia a seguir, ou no outro, essa recordação tão forte, tão visceral, tão dolorosa, me levará ao encontro desse referencial absoluto (o único aparentemente) e todos os significados se misturarão de novo, e o volume que a importância que as nossas emoções dão aos “factos” encolherá até à dimensão de uma folha de papel.


Com isto, a questão colocada “Por que razão faço Parkour?” pode ser recolocada sobre nova luz. Com o sentido que lhe atribuo agora, quero impedir que ela se metamorfoseie. Eu quero saber por que razão devo colocar Parkour na pergunta e não outra coisa qualquer. Já aceitei que alguma coisa, qualquer coisa, deve ser posta lá. Mas porquê Parkour?


No estado da questão tal como a coloquei, todos os motivos que se partilham pela comunidade perdem o seu valor. “Faço Parkour porque é divertido, porque quero manter-me em forma, porque quero estar preparado para uma eventual emergência, porque quero ser conhecido, porque é bonito, porque admiro muito quem faça, porque me dá sensação de liberdade, porque tenho muito tempo livre, porque quero ser capaz de ajudar os outros, porque gosto de me filmar e de me ver a fazer coisas que poucos conseguem, porque me permite conhecer pessoas novas e fazer amizades, porque quero fazer filmes de acção, etc.”


Nenhuma destas razões é exclusiva do Parkour. Algumas delas nem têm nada a ver com o que a comunidade gosta de ver como Parkour. Mas, mais importante que isso, nenhuma delas obriga a que a palavra que utilizemos na pergunta seja “Parkour”. Se eu fizer escalada, se for músico, se for um cientista, se gostar de coleccionar selos, as razões que avançarei para fazer isso serão tão não-válidas como qualquer uma das que um traceur tenha para praticar Parkour. A sua importância será equivalente, todas elas sem volume. Porque a validade de uma razão está no poder que ela tem sobre as nossas opções, e na força com que nos leva a fazermos uma actividade em particular – na motivação que exerce –, não há uma verdadeira validade numa razão enquanto ela não me permitir responder à pergunta que fiz, da forma como a fiz. Ela só poderá exercer poder sobre mim quando valer por si mesma, quando a sua validade estiver para além do que me leve a fazer, do referencial “comum”. Porque, para isso, tenho tantas outras razões para fazer tantas outras coisas diferentes do Parkour.


Uma outra razão, mais óbvia e apoiada pela maioria das pessoas provavelmente, será a de que não é preciso razões para se fazer Parkour. Simplesmente faz-se e continua-se a fazer. Ainda que ameace resolver a questão e nos leve a abandonarmos a discussão, esta razão não tem mais importância que as outras todas. Ela não nos diz por que se faz Parkour ao invés de uma outra coisa qualquer, e ela vai contra a própria necessidade de nos questionarmos acerca disto. E, se sinto esta necessidade, devo fazê-lo e procurar uma resposta que sacie, e não procurar fugir dela, tapá-la com um pano branco e imaculado, uma folha em branco vazia de pensamentos.


Para além disso, se pensarmos na utilidade da própria discussão no que diz respeito ao despertar de outras consciências para o fenómeno do Parkour, evitar encontrar uma razão positiva para que se pratique Parkour quer dizer deixar ao acaso o aumento ou diminuição da comunidade, quer dizer não saber que responder quando alguém nos pede para descrevermos a importância do Parkour, quer dizer não sabermos comunicar a outros, afinal, por que fazemos Parkour. E o suporte primeiro e último de uma comunidade é a comunicação. Se respondermos à pergunta, encontraremos maneira de dizer a qualquer pessoa por que fazemos Parkour e por que deve ela fazer Parkour também.


Quando surgem discussões acerca das razões por que alguém faz Parkour, intriga-me a sua razão de ser. Todas as pessoas, tirando possivelmente a primeira geração de Lisses, eram pessoas antes de serem traceurs. Havia um contexto pessoal em que o Parkour foi encaixado vindo de fora, houve uma adaptação da vida, da rotina, do tempo, às implicações da prática do Parkour. Aquilo que foi absorvido por cada um dependeu das circunstâncias em que tomou conhecimento, da pessoa que era antes, dos objectivos específicos que tinha em mente quando começou a praticar.


Creio que, tal como em outras coisas que decidamos fazer com a nossa vida, há múltiplos níveis ou camadas de envolvimento com o Parkour, que representam a intensidade com que o aceitamos na nossa vida. Cada nível de envolvimento acarreta responsabilidades, compromissos, crenças diferentes e em diferentes graus, e é o nível de envolvimento em que um traceur se encontra que determinará os treinos que faz e o traceur que se tornará. Esse nível dependerá dos projectos mais ou menos longínquos que temos e de quanto estamos dispostos a sacrificar para os concretizar. Igualmente, a disciplina necessária e as mudanças pessoais que precisaremos de sofrer dependerão da distância física e psicológica a que estamos de cumprir esses projectos. Num determinado ponto, faz sentido um traceur perguntar-se “Quão envolvido estou?”, e partir para uma análise do que significa a resposta que der.


Mais importante que tudo isso, o nível de envolvimento determinará a disponibilidade para se fazer outra coisa. É certo que quanto mais tempo, e mais recursos, se gastar construindo algo, maior, mais perfeito, e mais importância terá isso que se escolheu construir. Mas é tão certo o não podermos construir outra coisa com o mesmo afinco, com o mesmo tempo e com os mesmos recursos.


Responder à pergunta “Por que razão faço Parkour?” seria levar qualquer um ao nível de envolvimento máximo, em que o Parkour se torna tudo aquilo para que se vive. No caso dos yamakasi, e de toda a primeira geração, a sua vida era já Parkour antes de terem tempo de formular a questão e, talvez por isso, já tinham uma resposta para ela antes de a colocarem.


Uma resposta


Ao longo dos dois anos e oito meses do meu percurso tenho mantido acesa uma dúvida acerca do nível de envolvimento que tenho com o Parkour, acerca da escolha que tenho a fazer em relação àquilo que vou construir. Posso dizer que desde que acreditei em tudo aquilo que o Parkour pode ser, para além de um passatempo, que muito do trabalho feito nos meus treinos tem sido perceber a sua dimensão correcta e a sua adequação ao que era a minha vida antes de começar a praticar. Consoante essa dimensão, procurei responder à questão “que importância tem o Parkour na minha vida?”. Não digo que passarão todos por dúvidas semelhantes, que não haja quem não planeie nem tente perceber a sua ideia de Parkour (o que não quer dizer que não a tenha), nem que desprezem a necessidade de tais medições. No entanto, para mim, que mantive desde logo um olhar inquisidor sobre o futuro que queria, o percurso de traceur percorreu paralelo com, e tendo sempre em conta, esse futuro eu que me queria tornar. Em paralelo, mas não sobreposto. E isto apesar de, bem vistas as coisas, ainda não saber que futuro será esse. O importante é que as opções que se me apresentavam com a prática do Parkour, e as escolhas que tinham que ser feitas, não foram nunca encaradas de ânimo leve, como mais uma coisa para fazer.


Sempre pus tudo em jogo, ainda que, muitas vezes, apenas o sentia sob a forma de uma picada de desconforto enquanto escolhia ir treinar ao invés de fazer outra coisa, ou a sensação de dever estar a fazer outra coisa qualquer. Sempre procurei ser o mais consciente possível das implicações que uma dedicação séria a uma actividade tão exigente como o Parkour traz consigo, na forma como passaria a encarar as outras possibilidades, naquilo de que teria que abrir mão, em todas as não-escolhas que fiz com cada escolha a favor do Parkour. Numa palavra, procurei encarar o Parkour com responsabilidade. Para mim, isso quer dizer colocar a questão “Por que faço Parkour?” nos termos que descrevi acima, mesmo quando não o explicitava a mim mesmo, simplesmente pela presença, mais ou menos constante em cada treino, das aspirações a tudo o resto que já tinha pensado em ser um dia, as outras escolhas que tomei antes de ter decidido treinar Parkour.


Por isto, o percurso que fui percorrendo não foi contínuo, foi tracejado. Durante todo o primeiro ano e meio muitos treinos eram interrompidos com questões que me ia colocando, tentativas de reforçar em mim a convicção, de resto insegura, de que era precisamente Parkour que eu queria fazer naquele momento, e, se possível, pelo resto da vida. Eram frequentes as oscilações de confiança, à medida que me sentia ir entregando cada vez mais à actividade mas querendo manter um ponto de retorno, uma forma de poder ainda voltar atrás e escolher fazer outra coisa com a minha vida. Não me refiro a uma entrega quantitativa, ou seja, não era que visse apenas a possibilidade de só puder fazer Parkour e nada mais. Refiro-me a uma entrega qualitativa, quer dizer, de tal forma intensa que mudasse completamente a forma como via o meu futuro.


Claro que podia encarar tudo de ânimo muito mais leve, como uma grande diversão. Mas eu sabia que, para que me entregasse responsavelmente, tinha que encarar as coisas com este carácter definitivo; mesmo que pudesse sobrar tempo para muitas outras coisas, sabia que, se não me impusesse esta enorme tarefa desta forma, ia acabar por desleixar-me com os treinos, perder disciplina, e, mais grave que isto, arriscar-me a sair magoado da experiência. Em suma, ia estar a perder tempo ao querer fazer Parkour mas ao não fazê-lo da forma mais eficaz, com regularidade e exigência.


Sei que parte da minha estratégia para lidar com este obstáculo, o mais importante de todo o percurso, foi procurar convencer-me de que, por estar ainda numa fase embrionária, o próprio conceito de Parkour estava ainda em aberto, e podia ser encarado não só como uma actividade física, mas igualmente como uma atitude de aprendizagem e confiança perante a possibilidade de poder fazer qualquer coisa, desde que se assumisse essa tarefa e houvesse verdadeira dedicação. Encarava o Parkour como uma espécie de boa-nova que despertasse quem estivesse disposto a ouvi-la, anunciando a possibilidade de expansão e emancipação de ideias e sensações. Acreditei que, se visse o Parkour como a verdadeira actividade camaleónica, tão completa que não excluísse a possibilidade de fazer de tudo, então deixaria de ter que o encaixar no contexto da minha vida, deixaria de ocupar o espaço das outras coisas porque passaria a ser o próprio espaço onde as outras coisas podiam acontecer. Neste sentido, procurámos, o Bruno e eu, criar um blogue que transmitisse isso precisamente, que esticasse ao máximo a definição do Parkour para que pudéssemos incluir tantas outras coisas que gostaríamos de fazer mas que, nos moldes até agora vistos no Parkour, ficariam excluídos à partida.

Com o avançar do tempo, o crescimento e a aprendizagem, na prática, do que é, de facto, o Parkour, estas ideias foram-me parecendo cada vez mais românticas e desadequadas. Revelava-se para mim que, no fundo, se ocorriam estas dúvidas era porque era outra coisa, diferente do Parkour, que eu deveria estar a fazer. Não era o conceito de Parkour que tinha que ser esticado, mas as minhas aspirações com ele que precisavam de encolher. Vi que, de uma posição inicial, com expectativas e sonhos, comecei por formar ideias algo quiméricas, e certamente ingénuas, do que poderia vir a ser no Parkour. Desafiei a realidade ao acreditar que ser traceur era algo mais do que aquilo que é, ou seja, ao acreditar estar numa posição privilegiada relativamente a ser outra coisa qualquer. Agora, vejo como esse tipo de ideias são típicas de quem ainda não começou verdadeiramente a praticar Parkour.


Toda a gente, mais ou menos conscientemente, tem uma ideia do que é o Parkour para si. Porém, por mais pessoal que seja essa ideia, aquilo que é o Parkour não pode ser definido com nitidez e veracidade sem uma longa experiência prática, não teórica, de treinos. Essa definição é dada pelo conhecimento que se obtém pelo sacrifício feito no dia-a-dia com a prática regular e disciplinada. Porque as transformações que ocorrem num traceur podem ir para além do físico e do psicológico (consoante o nível de envolvimento), elas afectam as crenças e os desejos, as aspirações e a sua personalidade, tanto quanto a sua prática é afectada por estas. Se um traceur constrói uma determinada ideia do Parkour no início dos seus treinos, ele deve ser capaz de torná-la permeável às sugestões que a sua experiência lhe vai dando dessa ideia, e ir transformando-a e apurando-a com a passagem do tempo. Demorou algum tempo até que me apercebesse disto, e, enquanto não o fiz, toda a minha prática estava minada por esses preconceitos que tinha. Porém, a par com estas considerações teóricas, importantes para me convencerem da correcção das minhas escolhas, consegui ir evoluindo nos treinos, na prática, e ganhar alguma experiência real, importante para as ideias que mantenho agora.


Até um determinado momento da minha evolução no Parkour, consegui manter em suspenso a resposta à questão que coloquei acima. Não sabia, nem precisei de saber, que resposta dar. É certo que a debatia, que procurava chegar a ela, mas, tal como não havia de a alcançar por mais que pensasse sobre ela, também o facto de não a ter, nunca foi um impedimento físico para ir continuando os meus treinos, o que dá indicação do seu teor mais empírico do que teórico. Acontece que fui capaz de alcançar um ponto na minha evolução, sobretudo, mas não apenas, física, em que a resposta, ou algo que pudesse colocar no lugar de uma resposta, me surgiu clara: A convicção de que não há uma resposta para a pergunta.


Não há nenhuma razão absoluta, válida para toda a gente, que leve alguém, cuja vida nada tem a ver com o Parkour, a fazer Parkour. A importância do Parkour para os não-praticantes não está dependente da definição do Parkour, apenas das particularidades da vida de cada um aquando o seu contacto, se houver esse contacto, com o Parkour. É talvez uma terrível ingenuidade minha supor que dizer isto seja necessário, mas digo-o porque, se o for, sou ingénuo.


Esta forma tão mais clarificada de ver o Parkour, pelo menos em comparação com outras formas passadas, foi possível porque me senti chegar a um ponto sem retorno no meu treino, ou seja, um ponto a partir do qual a entrega e o sacrifício são tais que nunca mais estaria disposto a abrir mão do que havia alcançado. Para que pudesse evoluir eficaz e inteiramente, o Parkour teria que passar a ser a prioridade na minha vida. Apercebi-me disso e fui forçado a fazer uma escolha. Escolhi não voltar a praticar Parkour.


É verdade que podia simplesmente despojar-me das ideias de evolução constante, das aspirações de poder vir a ser o melhor possível no Parkour. Podia aprender com isto que, em vez de praticar para ser o melhor possível, passaria a ser o melhor dentro das possibilidades que a minha vida permite, dentro do espaço que conseguisse arranjar para os treinos.


Decidi não o fazer por duas razões:

Ao longo destes dois anos e oito meses aprendi bastante sobre certas características e traços da minha personalidade. Ao longo dos treinos, o método do Parkour levou aos seus limites a minha capacidade de adaptação através da sua exigência de certas atitudes, como a perseverança, a resistência ou a confiança. Isso só foi possível porque, face a esses obstáculos, impedi-me de voltar atrás e forcei-me a arranjar soluções para eles. Fi-lo porque insisti na ideia de que tinha que o fazer em prol dessa ideia quimérica de Parkour que referi acima. Sem acreditar nisso, não me teria forçado a superar certas dificuldades. Como disse, essa ideia evoluiu, tornou-se mais realista, e, por ela, já não me vou forçar a superar essas dificuldades. Certas exigências do Parkour são duras demais para mim, e não sinto que as queira superar se não fizer disso a prioridade na minha vida, algo que não estou disposto a fazer.


A segunda razão tem a ver com a aprendizagem que fiz do que realmente significa dedicar-me a fundo a alguma coisa. Foi só quando me senti chegar a esse ponto sem retorno que as coisas se tornaram verdadeiramente sérias para mim, e foi só aí que percebi o que significa alguma coisa ser verdadeiramente séria. Foi graças ao tempo e esforço que dediquei ao Parkour que sei o que isso é. O Parkour é uma actividade que consome muito para ser correctamente praticada. Não sinto que queira fazer do Parkour a prioridade na minha vida, e sei que o que quer que venha a ser essa prioridade, ela será incompatível com a exigência do Parkour. Quero chegar e permanecer no ponto sem retorno de algo, não sei ainda o quê, mas sei que não é o Parkour.



Fala-se muito sobre o que é o Parkour. São comuns na comunidade os debates sobre o que leva cada um a fazer Parkour. Foi uma questão a que tentei responder logo que comecei a perceber a dimensão que pode ter o Parkour na vida de uma pessoa. Cheguei a uma resposta. Ela é, no entanto, pessoal e verdadeiramente intransmissível. Tal como todas as respostas, não é geral nem aplicável a todos.

Se há algo que é verdadeiramente geral, aplicável a todos sem excepção e que deve ser encarado com a maior responsabilidade por praticantes e por futuros praticantes, é somente a pergunta: “Por que razão faço Parkour?”.

domingo, 24 de agosto de 2008

Garagens









*Primeira de duas partes. Segunda parte aqui.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Shades of Arabesque