terça-feira, 29 de janeiro de 2008

À distância da evolução

Pronto para arrancar. Os pneus avançam sobre o asfalto quente em linha recta. Veloz, o automóvel está no seu meio de excelência, a estrada; uma passadeira feita para ser guiada. Subitamente, na via, ergue-se uma estrutura intrincada de linhas rectas, verticais, horizontais, diagonais, radiais, angulares, irregulares e circulares; um obstáculo para o automóvel, impotente perante um ambiente tão hostil.
O cenário que descrevo é improvável, felizmente, mas uso-o para ilustrar como os automóveis ( e os meios de transporte de uma maneira geral ) são inflexíveis e inadaptáveis a um meio inesperado. Mesmo um veículo todo-o-terreno, que é muito mais versátil do que um sedan familiar por exemplo, nada pode fazer perante um muro ou uma escadaria que se erga à sua frente. São máquinas, têm uma capacidade limitada às funções específicas que nós que as criámos exigimos delas. E a verdade é que essas funções são de facto muito específicas. Se pensarmos por exemplo na mobilidade de uma bicicleta e a imaginarmos a fazer uma cambalhota o resultado é risível, exige pelo menos umas boas gargalhadas! Imagine-se então toda a variedade de movimentos como esse que estão vedados às máquinas, bicicletas e outras. Ainda que possa parecer uma evidência, o facto de as máquinas serem objectos utilitários e criações notáveis a muitos níveis não nos deve fazer esquecer que os seres vivos são as máquinas mais bem afinadas de todas e que a sofisticação das mais avançadas criações da tecnologia está para os seres vivos como o ábaco está para um computador da NASA.
No que diz respeito à capacidade de movimento, a sabedoria de milhões e milhões de anos de evolução das espécies é, sem dúvida, muito mais eficaz e nós, seres humanos, que temos muito em comum com alguns dos animais mais ágeis do mundo somos também herdeiros dessa sabedoria. Na verdade, a diferença genética entre um homem e um gibão, um chimpanzé ou qualquer outro primata é tão insignificante que não posso deixar de notar como é que a nossa espécie deixou já a selva ou as florestas tropicais e habita agora cidades que se estendem até perder de vista, algumas tão grandes como as selvas, outras tão densas como as florestas. Não deixa de ser irónica a forma como estas imensas manifestações do progresso civilizacional são ao mesmo tempo um terreno privilegiado para as mais diversas brincadeiras e movimentos sobre o espaço disponível, reminiscências dessa relação ancestral. Dada essa proximidade entre a nossa e as outras espécies que referi não podemos ignorar portanto todas as capacidades físicas e todas as soluções de movimento que o corpo humano permite. O Homem é capaz de correr, saltar, nadar, etc.; um contraste dramático perante tudo o que as máquinas não são capazes de fazer.
No que diz respeito ao movimento, o Homem é versátil e essa é a trave mestra do Parkour.